A atualização de Almeida no Brasil
Em 1943, a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira juntamente com a Sociedade Bíblica América, que atuavam no Brasil naquele tempo, decidiram preparar e publicar uma revisão da tradução de Almeida. Essa revisão, que, a partir de 1948, passou aos cuidados da Sociedade Bíblica do Brasil, viria a ser conhecida como a Almeida Revista e Atualizada. Dela participaram biblistas e vernaculistas de renome, membros das mais diversas denominações evangélicas presentes no Brasil naquela época. A revisão do Novo Testamento foi publicada em 1952. A revisão do Antigo Testamento foi concluída em menos tempo, em 1956, porque uma pequena comissão se dedicou a essa tarefa em regime de tempo integral. A Bíblia toda só foi publicada em 1959. Uma segunda edição de Almeida Revista e Atualizada foi publicada, no Brasil, em 1993.
A base textual do Novo Testamento em Almeida Revista e Atualizada
Uma das diferenças entre as edições Revista e Atualizada e Revista e Corrigida diz respeito ao texto grego adotado como base para a tradução do Novo Testamento. No século XVII, Almeida dispunha somente do assim chamado “texto recebido” (textus receptus), que tem sua origem no Novo Testamento Grego editado por Erasmo de Roterdã, em 1516, e baseado em alguns poucos manuscritos gregos copiados durante a Idade Média. Não há nenhum mérito ou valor especial nessa “decisão” tomada por Almeida. A rigor, não houve decisão nenhuma da parte dele. Ele não tinha escolha, pois o “texto recebido” era o único texto disponível naquele tempo. Durante os séculos 19 e 20, entretanto, foram descobertos manuscritos gregos mais antigos, muitos deles copiados no quarto século d.C. e até mesmo antes disso.
A partir desses manuscritos, que estão mais próximos do tempo dos evangelistas e apóstolos, passaram a ser publicadas edições do Novo Testamento chamadas de “edições críticas”. O termo “crítico” indica que essas edições permitem que se faça a crítica textual, ou seja, a comparação entre o texto que se considera original e as variantes ou alternativas textuais (inclusive as do textus receptus), que aparecem ao pé da página. Para a edição Revista e Atualizada, decidiu-se traduzir o melhor texto grego disponível naquele momento, que era a 16ª edição do Novo Testamento Grego editado por Erwin Nestle. Esse Novo Testamento Grego, é bom que se registre, foi sendo reimpresso sem alterações até o surgimento da 26ª edição, em 1979.
Uma das diferenças entre o texto crítico e o “texto recebido” diz respeito à extensão do texto. Com o passar do tempo, à medida que se faziam novas cópias do texto grego, anotações colocadas à margem dos manuscritos começaram a ser incorporadas no próprio texto, como se pode verificar a partir de uma comparação com manuscritos mais antigos, que não trazem esses acréscimos. O “texto recebido” reflete essas tendências expansionistas. O texto crítico, por sua vez, por seguir os manuscritos mais antigos, é um texto mais breve, em determinadas passagens. Visto que a edição Revista e Atualizada se baseia numa edição crítica, esses acréscimos, típicos do “texto recebido”, deveriam ter sido tirados na tradução. No entanto, em respeito a Almeida, o tradutor, e ao leitor familiarizado com esses textos, eles foram mantidos, só que entre colchetes, como se pode verificar em Mt 5.22, 6.13, etc. Os colchetes indicam que o texto que eles contêm consta da tradução de Almeida, feita no século XVII, mas não faz mais parte do texto grego do Novo Testamento que hoje é considerado original.
Outras diferenças entre a Revista e Atualizada e a Revista e Corrigida
Além desta diferença quanto à base textual, a edição Revista e Atualizada se caracteriza pelas seguintes modificações em relação ao Almeida antigo, ou, então, a edição Revista e Corrigida: 1. Foram eliminados cerca de dois mil tipos de cacófatos ou desagrados cacofônicos, como “tatu” (“volta tu também”, Rt 1.15), “alice” (“e todo o Israel ali se achou”, Ed 8.25), etc. Nessa mesma linha, para evitar um mal entendido (“avós”), passou-se a usar, em certos contextos, a locução “a vós outros”. 2. O nome de Deus (“Javé”), no Antigo Testamento, foi traduzido por SENHOR e impresso em versalete, isto é, com letras maiúsculas. 3. A primeira letra da palavra que inicia um parágrafo foi impressa em negrito. 4. Os textos poéticos, como, por exemplo, Salmos, passaram a ser impressos como poesia. De modo geral, Almeida Revista e Atualizada difere de edições anteriores em aproximadamente trinta por cento do texto.
Almeida e as Bíblias de Estudo
A tradução de Almeida é o texto base de várias Bíblias de Estudo, inclusive desta Bíblia de Estudo Almeida. As notas, é claro, não foram escritas por João Ferreira de Almeida. Entretanto, adicionar notas ao texto da tradução de Almeida condiz com o projeto original do século XVII. Na primeira edição no Novo Testamento, de 1681, aparecem esboços dos capítulos bem como notas marginais, que fornecem alternativas de tradução. Em Mateus 2, por exemplo, aparece o seguinte esboço, impresso em itálico (com grafia atualizada, na citação que segue):
1 Os Magos vêm do Oriente a Jerusalém.
2 Perguntam acerca do rei nascido dos judeus.
4 A quem, sendo bem informados acerca do lugar de seu nascimento em Belém, acharam e adoraram.
12 Tornam-se para sua terra.
13 José tomando o menino foge ao Egito.
16 Herodes manda matar os meninos.
19 Se torna José à Judéia.
22 Mas receando a Arquelau, foi-se para Galiléia, e habita em Nazaré.
Quanto às alternativas de tradução, em Mt 2.1, por exemplo, aparece à margem, em referência à palavra “magos”, a seguinte nota: Ou, sábios. Na segunda edição do Novo Testamento, de 1693, foram adicionadas referências cruzadas e não aparecem mais as variantes de tradução.
Entretanto, essa tradição de incluir esboços e notas foi interrompida posteriormente. Com certeza isso se deveu, em grande parte, à prática adotada pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, de “encorajar a mais ampla distribuição das Escrituras Sagradas, sem notas e sem comentários”. Porém, em meados do século XX, essa tendência passou a ser revertida, e as Sociedades Bíblicas Unidas, entre elas a Sociedade Bíblica do Brasil, passaram a publicar Bíblias com notas, destacando-se entre elas as Bíblias de Estudo. Em Bíblias de Estudo cujas notas são de responsabilidade exclusiva da Sociedade Bíblica, mantém-se o propósito de não entrar na discussão de doutrinas específicas desta ou daquela denominação cristã. O melhor exemplo disso é a Bíblia de Estudo Almeida.
Princípios da tradução
Os princípios que regem a tradução de Almeida são os da equivalência formal, que procura seguir a ordem das palavras que pertencem à mesma categoria gramatical do original. A linguagem utilizada é clássica e erudita. Em outras palavras, Almeida procurou reproduzir no texto traduzido os aspectos formais do texto bíblico em suas línguas originais – hebraico, aramaico e grego – tanto no que se refere ao vocabulário quanto à estrutura e aos demais aspectos gramaticais.
Diferenças entre as edições
Tanto a edição Revista e Corrigida quanto a Revista e Atualizada foram constituídas a partir dos textos originais, traduzidos por João Ferreira de Almeida no século XVII. As pequenas diferenças entre uma e outra edição devem-se ao fato de os próprios originais em hebraico, aramaico e grego trazerem algumas variantes e suportarem mais de uma tradução correta para uma palavra ou versículo.
As principais diferenças referem-se basicamente aos manuscritos originais disponíveis na época de Almeida. Descobertas arqueológicas e estudos de teólogos e historiadores em torno das Escrituras Sagradas tiveram grandes avanços desde o século XVIII até os dias de hoje. Tais documentos não existiam na época de Almeida. Dessa forma, a RC é a expressão dos textos originais com que Almeida trabalhou. Não há nesta edição indicações de textos sobre os quais os diversos manuscritos bíblicos divergem.
Porém, na essência, as duas versões refletem o bom trabalho realizado por João Ferreira de Almeida, o qual foi completamente fiel aos textos originais das Escrituras Sagradas. Embora haja diferenças entre as duas versões, as passagens centrais da fé cristã – que apresentam Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador – são perfeitamente claras e concordantes em ambas.
Na próxima quinta falaremos sobre a Tradução na Linguagem de Hoje.
Este estudo foi retirado do seguinte endereço:
http://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=59
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